segunda-feira, 22 de maio de 2017

VELHINHOS VIRAM PLANTAS - Túlio Monteiro

Reparou na inocência
Cruel das criancinhas.
Com seus comentários desconcertantes?
Adivinham tudo 
E sabem que a vida é bela.
“Só as mães são felizes” (Cazuza)


A metamorforse de Narciso - Salvador Dalí

Eu não sei o que meu corpo aporta já que tantos foram os portos e corpos aos quais ele já lançou âncoras. Já traí até mesmo meu melhor amigo e nunca contem isso para ele, pobre alma sem calefação nenhuma. Ri um riso louco de Rimbaud cada vez que chorei em lugares sórdidos em meio à outra solidão. Hoje estou à exaustão.

Você já viu um milagre? Reparou como os senhorezinhos e as mamães velhinhas vão virando plantinhas porque sabem que ela já está chegando, fria, cadavérica, em espasmos lentos, senta-se, cruza as pernas, lê o bom livro dos mortos e espera, espera, espreita e ri aquele sorriso banguela. Só as crianças são felizes em suas tribos e inocências. Menininhos e menininhas são felizes em seus quartos sem medos de sombras ou assombrações. Reze, filhinho... que papai do céu te protegerá. O caramba. Hoje estou à satisfação.

Já fui passarinho em beirais repletos de amigos, quando no lado negro da vida eu já ouvia Lou Reed, Floyd e Ramones. Dava, não. Tinha que não me chamar Carlos, mas vim para ser gauche na vida, tanto é que nasci “torto” canhoto, canho, cânhamo, corda de pescoço. Enforcado. Sei não, hoje estou à anti-razão.

E como ainda é cedo, bela flor. Queres partir por quê? Qual rumo queres dar à tua ida à-toa na vida. Nada sério, espero! Fique mais um minuto. Vou pôr a nossa música que ainda assim teima em sempre tocar para lembrar de você. Fica, meu codinome. Fica, meu outro nome... aquele que só nós dois sabemos e saberemos. Talvez nunca mais nos vejamos, pense nisso. Reflita e não pule. Às gargalhadas digo, sim: hoje estou à não paixão.

Flores noturnas

E esse badalar de carrilhão me enche o saco e os ouvidos a cada quinze minutos, em um balançar de horas que não levam a absolutamente nada a não ser direto para os braços dela: a inexorável que nos transforma em velhos que viram plantas, fraldas e falta de força nas pernas dantes tão ágeis e corredeiras. E as pernas ligeiras de moleque de rua de meu pai já não são as mesmas, já não correm e brigam na rua contra os meninos bem maiores que ele. Sempre foi macho, aquele homem que me fez e passou a vida dizendo para não mentir, para não errar, para não seguir por caminhos tortos, para nunca parar de procurar. Está virando uma plantinha, meu velho e eu junto com ele eu também. Alhures! Definitivamente hoje estou NÃO!

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Túlio Monteiro escreve todas as segundas-feiras aqui no Evoé.

2 comentários:

  1. Túlio Monteiro é um desbunde de doçura, graça e ironia. Ele consegue ser autêntico, controverso e extremamente poético. Neste pormenor, mesmo quando não intenciona a poesia.

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  2. Túlio Monteiro, reencontrar Moreira Campos em palavras de Túlio Monteiro é por-se diante de duas dádivas. Ademais, sentir a presença louca de Cazuza, a docilidade de Quintana, a rebeldia de Floyd, a fatalidade de um Carlos... No final - porém não em fim -, esse seu olhar para um encontro de dois que são quase um, porquanto procriação e perpetuação, esse refletir também sendo refletir-se... Ahhhh, senhor Túlio Monteiro, quanta pureza, embora diante dessa dureza doída antes mesmo de doer - da inexorável, em modo de espera. Ora, direi: está NÃO? Mesmo, então, está SIM.

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