Passar algum tempo sem encontrar
o Vessillo Monte constitui grave penitência. Seu refinado bom humor e o
inversamente proporcional mau humor me são essenciais. Aliás, o bem-humorado de
fato rebenta do mal-humorado. Não é à toa que, sim, todo comediante (se for do
bom mesmo) tem em si perene ranzinzice, cujo antítodo consiste em dar à sua
irascibilidade vazão com efeito risível, senão vira neurastenia crônica. O bom
humor, portanto, prevalece entre mim e o poeta Vessillo Monte, pois somos dois
rabugentos.
Devo fazer alguma falta também,
porque mesmo em companhia do mais fleugmático dos seres, o Doce Gigante Flávio
San, gentil e delicado até ao espantar moscas, o poeta me liga cobrando comparecimento.
Flávio San, por sua vez, me intima com seu violão e poesia. Às vezes, o Doce Gigante se espanta com a rabugice minha e do Vessillo e nos interpela com voz mansa de padre em confessionário e mãos de maestro regendo em adágio: “poeta, poeta... calma, poeta... olha o coração (com as pontas dos dedos das duas mãos toca o próprio peito)..., o coração, poeta... vamos cantar!... ‘ponta de areia, ponto final’...”
Flávio San, por sua vez, me intima com seu violão e poesia. Às vezes, o Doce Gigante se espanta com a rabugice minha e do Vessillo e nos interpela com voz mansa de padre em confessionário e mãos de maestro regendo em adágio: “poeta, poeta... calma, poeta... olha o coração (com as pontas dos dedos das duas mãos toca o próprio peito)..., o coração, poeta... vamos cantar!... ‘ponta de areia, ponto final’...”
Às vezes dá certo, outras vezes
também. Quase sempre funciona, bem diferente do tempo em quando um dia
convoquei o poeta para tomar satisfação com um sujeito cascudo e bocão
instalado, segundo me revelou meu irmão Kelson, às margens da minha sagrada
lagoa da Parangaba (topônimo tupy-guarany que significa Terra onde nasceu Kelsen
Bravos).
Pois bem, ao lhe revelar do
assédio que o tal sujeitinho andava fazendo aos coopistas e, sobretudo, às
coopistas, ali às margens da sagrada lagoa, o poeta se alevantou e quase retumbante
bradou: Vamos lá, Kelsen Bravos, pôr fim a este constrangimento.
Cuidei logo de encher um cooler
com gelo e bastante cerveja, muita cerveja, pois a missão seria demorada.
Tivemos, obviamente, de largar os editoriais afazeres cotidianos para nos
dedicar à paladina missão de calar o sujeito cascudo e bocão a aterrorizar
minha sagrada Lagoa da Parangaba. Vimos que lhe cabia mais um adjetivo: arredio.
Decidimos fazer ocupações libativas
ao longo das margens da lagoa. Parávamos o carro, descarregávamos o cooler com
as cervejas e nos acomodávamos junto ao que se parecia bancos. Em cada pouso ficávamos
no mínimo uma hora.
Nada do sujeitinho. Saímos algumas
vezes para renovar o estoque de cervejas no cooler. Ao voltar, vinha a notícia
do alvoroço de sua ofensiva aparição. Quando foi necessário repor as cervejas, o poeta resolveu ficar.
Disse-lhe que já era quase noite, que podia ser perigoso. Talvez demorasse mais, devido o trânsito e tal... O
poeta de olhos já vermelhos e boca espumante esbravejou: homem, por Deus, vá
buscar mais cerveja e me deixa ficar aqui! Resolvi levar também pinga e
cigarros.
Voltei o mais rápido que pude. De
fato minha preocupação eram os demais habitués noturnos das margens da lagoa. Encontrei o poeta cercado por vagabundos.
Sempre me impressionou a capacidade de o poeta ganhar a simpatia de toda gente,
fosse onde estivesse. Já haviam feito uma fogueira e estavam em animada conversa.
Foi providencial eu ter comprado também a cachaça. Na fogueira, já assava um peixe
pescado ali mesmo.
Nossos novos amigos enriqueceram
nossas informações do tal cascudo e bocão. Era comum aparecer à noite. Pelo que
nos falaram não era tão ameaçador assim. O papo varou a madrugada. A barra do
dia já se iluminava. Como é lindo o amanhecer às margens da Lagoa da Parangaba.
Já passava das nove da manhã, estávamos
o poeta e eu metidos dentro dágua até a cintura, quando ouvimos um alarido em
um ponto das margens perto de onde estávamos. Mulheres corriam assustadas. É
ele! gritei.
Fomos correndo por dentro dágua
até o ponto onde uma multidão se concentrava. Nossos amigos noturnos haviam
prendido o tal sujeito em flagrante delito. Sua sorte foi, por respeito, terem
atendido o pedido do poeta. Deixem que eu resolvo a questão com ele.
Trouxeram-no
até nosso acampamento. Soltem, podem soltar. Frente a frente com o Vessillo, o
tal sujeito ficou estático e boquiaberto. Hirto. Tão absorto que nem parecia
estar mais ali em espírito.
Neste instante, o meu celular
toca. Do outro lado, a voz indignada do chairman
querendo saber onde estávamos. Tentei explicar, mas achei melhor passar o
telefone para o poeta, muito mais eloquente do que eu. Vessillo, o Lira. Ele quer falar contigo.
Ao ouvir o nome do chairman o tal sujeito cascudo e bocão pareceu bradar: O Lira?! E incontinenti correu para dentro da lagoa. Eu ainda gritei que o Lira queria caçar era jabuti e não jacaré; mas não adiantou, o cascudo e bocão nunca mais foi
visto.
Texto delicioso, de uma poética singular. Evoé!
ResponderExcluirObrigado, Meu Caro Amigo Chico (Sérgio) Araujo!
ExcluirTexto assombroso de lindo.
ResponderExcluirAbraço saudoso. Solidade
Querida Solidade,
ExcluirUm texto só se completa no leitor, então: Você é a linda e eu fico só com o assombroso.
Um beijo azul, adoro você, menina!