quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Vessillo Monte and The honorable man.

Das mais prazerosas realizações boêmias, pousar numa mesa de bar com Vessillo Monte só é superada se estiver também presente Lira Neto. De certa forma, se estou apenas com um deles, o outro também se faz presente na conversa: vira tema e orelhas quentes. Tenho observado em fotos o quão meu amigo "paulista" anda por esses dias com suas conchas auditivas afogueadas. Vessillo e eu estamos nos vendo com mais frequência, pois sua Luana simpatizou comigo e me confiou cuidar de seu bom humor quando sozinho. São bate-papos sem fim em que rimos muito e socializamos nossas leituras de mundo.

Nem sempre, entretanto, há do que rir. A testa franzida e o olhar fulminante anunciam do vulcão em iminente erupção,Vessillo Monte não é brincadeira. Suspiro profundo e cumprimento: Ave, poeta! Evoé!!! Ao que ele retruca:

"Evoé, poeta? Evoé?! Rapaz, tá vendo o nível dos discursos feitos por aí. Esses cretinos demagogos a tanger as opiniões com ideias vazias, manipulando as emoções. O pior de tudo é essa tremenda falta de senso crítico, também com escolas sem literatura e, pior!, leituras sem reflexões, não podia ser diferente."

O poeta Vessillo Monte faz uma pausa e, num gesto largo, traga forte o cigarro e continua:

"Shakespeare já nos ensinava no Discurso de Marco Antônio ante o cadáver de Júlio César! Veja aí, poeta, o que é manipular a vontade da multidão só com discursos. Brutus - contextualiza Vessillo - para os romanos acabara de discursar revelando o quanto seu pai adotivo era um homem sem honra, ambicioso e cruel bem diferente daquele tido por todos como exemplar. Justificava assim tê-lo assassinado. Após a revelação de Brutus, puseram-se os romanos a execrar o ex-amado César."

Vessillo movimenta os ombros e se ajeita na cadeira, toma um gole de cerveja. "Marco Antonio, entretanto, toma a palavra e manda essa, poeta:

Amigos, romanos, concidadãos!

Estou aqui para sepultar César; não para glorificá-lo! O mal que o homem faz sobrevive a ele. Frequentemente o bem que fez é sepultado juntamente com seus ossos. Que assim seja com César!

O nobre Brutus disse que César era ambicioso e, se assim o foi, era um erro grave e César pagou-o gravemente. Mas estou aqui para falar nos funerais de César.

César sempre foi bom, justo e leal para comigo, mas Brutus disse que César era ambicioso! E Brutus... Brutus é um homem honrado, como são honrados todos os homens.

César trouxe para Roma escravos cujo resgate encheram de ouro os cofres da República! Neste particular, César foi ambicioso?!... Mas Brutus disse que César era ambicioso! E Brutus... Brutus é um homem honrado.

Quando os pobres de Roma deixavam ouvir suas vozes lamuriosas, César derramava lágrimas e moedas. A ambição deveria ter coração mais duro. Mas Brutus disse que César era ambicioso! E Brutus... Brutus é um homem honrado.

Todos vós vistes quando nas festas lupercais eu, por três vezes!, ofereci a coroa imperial a César e, por três vezes!, César a recusou. Chamais a isso ambição?! Mas Brutus disse que César era ambicioso! E Brutus... Brutus é um homem honrado.

Amigos, romanos, concidadãos, meu coração é um pássaro ferido que se alevantou, em voo, de meu peito. Por agora tenho que emudecer minhas palavras e encolher meus gestos até que ao meu peito ele retorne.

Com esse discurso, Marco Antônio mudou a opinião dos romanos quanto Júlio César e Brutus se deu mal, sobretudo, depois de ler o testamento cujo teor revelava metade dos seus bens destinado ao povo. Eis, poeta, como Shakespeare nos legou 'The honorable man'. Temos muito que aprender com o velho bardo. É bom vacinar as pessoas contra a epidemia demagógica desses dias. Evoé!"

Evoé! Poeta, evoé! - respondo.

Bem mais tranquilo, pergunta: "Quando é mesmo o lançamento do Getúlio do Lira? Vamos lá, né, poeta?"...








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