Em entrevista ao Globo em Paraty, durante a FLIP, José
Castilho Marques Neto, de volta ao comando do Plano Nacional do Livro e
Leitura - PNLL, destaca que a parceria do Ministério da Cultura entre os Ministérios
da Educação e das Ciências e Tecnologias é fundamental para transformar
o
Brasil em um país de leitores.
Confira a íntegra da "ENTREVISTA a José Castilho Marques Neto"
"De volta ao comando do Plano Nacional do Livro e
Leitura, José Castilho Marques Neto diz que interpretações de recentes
manifestações populares indicam baixa qualidade de leitura no país e que
eventos como a Flip evidenciam a distância entre leitores e não leitores.
José Castilho, diretor executivo do PNLL. |
Presidente da Editora Unesp, Castilho agora pretende retomar
os planejamentos de longo prazo que defendia no período em que ficou no PNLL.
Seu primeiro passo, como ele explicou em entrevista ao GLOBO, durante a Festa
Literária Internacional de Paraty (Flip), foi acabar com o Programa do Livro
Popular, criado pelo então presidente da Biblioteca Nacional, Galeno Amorim,
para a venda de livros a R$ 10, em edições mais simples - o programa foi
lançado pela própria presidente Dilma Rousseff, num discurso em 2011, na Bienal
do Livro do Rio de Janeiro. Castilho também falou sobre a baixa qualidade de
leitura no Brasil, exemplificada nas interpretações das manifestações populares
das últimas semanas, e sobre a distância involuntária criada entre leitores e
não leitores em eventos como a Flip, no qual ele participou ontem de uma mesa
sobre políticas de incentivo à leitura."
Como o senhor enxerga o que foi feito nestes dois anos
afastado do PNLL?
Como eu já havia me posicionado publicamente quanto a isso,
não vai ser agora que vou minimizar só pelo fato de estar de novo dentro do
governo. Fui contra as diretrizes que a primeira gestão do Ministério colocou.
Achei e continuo achando equivocada, por exemplo, a proposta do Livro Popular.
Uma coisa é termos livros a R$ 5 ou R$ 10, outra é termos essa ação como
central dentro de uma política pública. A maior parte dos recursos foi
canalizada para esse programa. Temos que pensar a longo prazo, não há
possibilidade de revertermos a questão da não leitura ou do iletramento do país
se não pensarmos a longo prazo e com envolvimento de toda a sociedade.
O senhor então vai interromper o Programa do Livro Popular?
Ele já está interrompido.
O quão longe estamos de uma situação ideal de leitura no
país?
Ainda nos baseamos na última pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil, de 2010, que mostrava que o índice é muito baixo. Já temos outra
pesquisa em curso e teremos o resultado no ano que vem. Mas eu tenho dados do
Inaf (Indicador de Analfabetismo Funcional), de 2012, mostrando que apenas 26%
dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, capazes de entender
perfeitamente o que está contido no texto de uma página.
Mas o que falta para revertemos essa situação?
As dificuldades são imensas e cada vez mais urgentes.
Passados dois anos da minha saída, o que estamos vendo? Cada vez mais a
necessidade de o país entender e começar a colocar plenamente, não apenas o
Ministério da Cultura ou da Educação, a ideia de que, se não tivermos um país
de leitores, não teremos um país desenvolvido. Se pegarmos as manifestações que
vêm ocorrendo no Brasil e analisarmos os diálogos e a leitura que se faz dos
discursos políticos, vamos entender a dificuldade de interpretação. As
declarações da presidente, por exemplo, e eu não falo do ponto de vista
ideológico ou político, mas se você for ver olhar o que apareceu no Facebook,
você tem diversas interpretações do que estava contido ali.
Então o problema é a falta de capacitação dos brasileiros?
Mais do que simplesmente capacitação, precisamos ter um
direcionamento político que leve a essa capacitação. Não queremos que as
pessoas apenas consigam decifrar os caracteres, mas que possam construir os
sentidos. A nossa concepção de leitura é de maneira ampla, é também pictórica,
uma linguagem corporal do outro. É a leitura do cordel e também de Thomas Mann
ou do nosso Graciliano Ramos, homenageado na Flip. Estamos falando hoje aqui
sobre uma determinada linguagem, presente em livros de papel e nos eletrônicos.
Mas e as outras formas que estão surgindo de leitura? E a linguagem que está
surgindo nas redes, nos Facebooks e Twitters? Que linguagem é essa? Será que
alguém daqui a cinco anos vai entender ou teremos mais uma linguagem exclusiva
que apenas uma parte da juventude vai entender e a outra não? Temos que
estimular uma leitura que seja cada vez mais contemporânea.
Então o Ministério da Educação (MEC) precisa se envolver?
Uma das primeiras coisas que estamos fazendo é retomar a
relação com o MEC, que foi praticamente interrompida. Em todos os programas que
vinham sendo desenvolvidos pela diretoria do PNLL quando ela estava concentrada
na Biblioteca Nacional, o MEC está ausente. Eu já tenho na semana que vem uma
primeira reunião com o secretário-executivo do MEC para retomarmos essas
discussão. Mas não é só o MEC. Precisamos partir para o Ministério da Ciência e
Tecnologia e Inovação, para outros ministérios.
O senhor veio a Paraty para participar da Flip, um evento
que tenta aproximar dois mundos, de leitores e não leitores. Mas, olhando para
os preços das mesas no palco principal, a R$ 46, ainda fica claro um
distanciamento. Como o avalia a importância desses eventos para a construção da
leitura?
Essa questão que você coloca é real, tanto aqui, quanto na
Bienal e também em vários outros eventos em que fazemos promoções
exclusivamente voltada aos leitores. Os dois mundos permanecem, apesar da boa
vontade dos realizadores. Quando criticamos a Bienal, criticamos porque a
família, antes de entrar, deixa quase R$ 100. Paga, em média, R$ 30 de
estacionamento e R$ 10 por pessoa. Eles alegam que o evento não se realiza sem
esses preços, mas é um impeditivo. Temos que quebrar isso. Mas não vamos
quebrar se pararmos de ter esses eventos. O problema é que estamos falando de
um atraso histórico de 200 anos no país.
(Fonte: André Miranda - O GLOBO - RJ Fonte: 05-JUL-2013)
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