terça-feira, 21 de maio de 2013

FORTALEZA E O DEUS CRIADOR DO LIXO

Abro espaço aqui (à revelia dele) para a brilhante e sensível reflexão de Oswald Barroso (publicada no Facebook) sobre a estratégia de ocupação e uso do solo em Fortaleza. Oswald chama a atenção para a necessidade de romper com a lógica perversa do mercado e valorizar espaços comunitários que privilegiem a felicidade do ser humano por meio da convivência pacífica, segura, natural e ecologicamente correta.
Raimundo Oswald Cavalcante Barroso

O manto é pintado com as cores das boas intenções: é preciso rever a lei de ocupação e uso do solo da cidade, para adequá-la aos novos tempos. Hoje, Fortaleza está descentralizada, o centro antigo já não comporta a demanda de bens e serviços exigidos pela população. É necessário criar novos centros, abrir amplas vias de acesso cruzando a cidade em toda a sua extensão, ampliar espaços de oferta de emprego e renda, retirar as barreiras para o crescimento do comércio, expandi-lo a novas áreas, como algumas da arte e da cultura, se quisermos o fim da miséria e o progresso.

A estratégia, porém, é perversa, os resultados desastrosos. Não precisa ser vidente para adivinhar a cidade desenhada embaixo desse manto. Quem o veste é o mercado, esse novo deus, que pede licença para oferecer seu lixo aos consumidores, seus devotos, e entupir as fontes de vida que, ainda, nos permitem respirar. Em defesa desse deus se alinham quase todos, direita e ex-esquerda, porque só dele se espera o milagre de pôr fim à fome no mundo. Então é preciso estender seus domínios, nem que se tenha de varrer os pobres cidade afora, para o bem deles mesmos. Toda causa exige sacrifícios.

Nesta Fortaleza, transformada em um inferno, como em outras grandes metrópoles, não há lugar para comunidades residenciais, nem mesmo de classe média, expulsa pela insegurança e pela poluição sonora e atmosférica. Morar só é possível em grandes edifícios, onde não há interlocução com outros seres a não ser porteiros e seguranças. Possibilitar às novas gerações conviver com plantas e animais, só com eles trancafiados, nos parques, aquários e zoológicos. Melhorar o transporte coletivo, diminuir o número de carros, nem pensar, melhor é isentar os impostos para atrair a indústria automobilística.

A política da prefeitura para o centro privilegia o velho “rapa”. Comércio só para quem pode. Quando fala em residências, traduz como kitinetes para comerciários e estudantes. Isto não cria vida comunitária, talvez estimule outro tipo de comércio, o da prostituição. Os vereadores, em sua maioria, estão mais preocupados em agradar sua clientela, ou seja, àqueles que financiaram suas campanhas. Afinal, política também é comércio. E onde há lugar para a dona de casa, mãe de família, para as crianças, às árvores e os bichos? Nos balcões das lojas de comércio, responderiam, nossas autoridades, para guardar a coerência. Desta cidade estou me retirando até para pensar melhor.

(Oswald Barroso)

Fortaleza, 21 de maio de 2013.

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