segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Túnel do Tempo: A cultura dos sebos


20 de março de 1997
Autor: Cláudia Monteiro
Os sebos de Fortaleza ainda são a alternativa para pesquisadores que procuram uma obra fora de circulação e quem está com pouco dinheiro no bolso para enfrentar as tabelas de livros novos das livrarias
Num país sem política de reedição de obras fundamentais e num Estado carente de bibliotecas boas e abertas ao público, as livrarias de livros usados, os populares sebos, são a única alternativa para quem precisa de um livro fora de circulação. Em Fortaleza, a maioria delas funciona no Centro e conta com um público amplo e fiel: dos estudantes secundaristas aos colecionadores.
À exceção da Arte & Ciência (veja quadro), onde há indicações de assunto nas prateleiras, é preciso boa dose de paciência e determinação para garimpar um bom livro nos sebos da cidade. Na maioria deles nem o dono encontra os livros procurados. Parte por culpa da desorganização inerente ao ramo, mas também porque os próprios compradores, sem dinheiro para comprar algum livro, escondem os exemplares queridos entre outros volumes.
Seguindo a tendência do mercado editorial brasileiro, boa parte dos acervos é constituída por best-sellers amarelados pelo tempo ou livros de auto-ajuda e esoterismo. Há também muitos livros didáticos e enciclopédias já desatualizados mas indispensáveis para quem está fazendo alguma pesquisa. Aqui e acolá, dá para encontrar um bom exemplar de História e Filosofia ou uma boa ficção.
Mesmo desorganizados e abarrotados de literatura de ocasião, os sebos são boa opção para estudantes sem dinheiro, pesquisadores cujo material de pesquisa não existe nas bibliotecas e colecionadores. O esforço de “garimpagem” é compensado pelo preço acessível – a maioria dos livros custa entre 3 e 20 reais – e pela possibilidade de encontrar alguma raridade, como um dos 423 únicos exemplares de Amor, Amores, de Carlos Drummond de Andrade, que até a semana passada estava à venda por R$ 350,00 na Livraria Antiquário. Ou mesmo Scenas Populares, autografado pelo próprio autor, o cearense Juvenal Galeno, cuja edição é de 1871. Até o início da semana, ele estava à venda na Casa dos Livros por R$ 100,00.
Por falar em preço, os freqüentadores assíduos aconselham a não chegar logo perguntando por determinado livro porque isso pode inflacionar seu valor. “Diferente dos revisteiros das calçadas do Centro, que muitas vezes vendem os livros por número de páginas, alguns donos de sebo percebem o interesse do comprador pelo livro e aumentam seu preço na hora”, alerta o professor de português Kelsen Bravos. Ele sugere disfarçar o entusiasmo, dar uma olhada também nos outros livros e depois perguntar os preços de todos, um a um.
Em se tratando de preços de livros usados tudo é relativo. Os valores variam de acordo com a procura, a quantidade disponível no mercado, a conservação do volume e a importância do autor. Richard Chamberlain de Andrade, um dos donos da Casa dos Livros garante que não faz tabelas de preços porque confia na memória. Seu sebo tem mais de 22 mil exemplares. Uma de suas táticas para aferir os valores dos livros usados é relacioná-los com os preços dos livros novos e dar um desconto pela desatualização e pelo estado de conservação do livro.
Quando isso não é possível, a cotação é feita de acordo com a importância do autor. Essa “importância” é, em geral, medida mais pela procura do que pelo conteúdo de suas obras. “Na coleção Os Pensadores, da Editora Abril, por exemplo, é claro que um Sócrates, um Platão e um Aristóteles são mais caros do que os outros pensadores porque eles saem mais”, entrega. Ele admite que outros donos de sebo aumentam o valor de acordo com o brilho dos olhos do comprador, mas garante que não é disso. “Pode confiar, se eu disse pra você que a primeira edição de Aves da Arribação, do cearense Antônio Sales, editado em Lisboa em 1914, custa R$ 100,00 eu vendo por esse preço mesmo, pode botar aí”, diz.
Maior sebo da cidade, a Livraria Antiquário, possui um acervo de mais de 50 mil livros e algumas centenas de discos em vinil. Referência no mercado há 15 anos, a livraria tem livros escolares, de Psicologia, Administração, Direito, Engenharia, Literatura, História, Economia e escritores cearenses, entre outros. A variedade de temas e a quantidade de estantes torna indispensável a orientação de seu dono, José Alcides Rocha. Embora tenha anunciado nos classificados da semana passada a venda da livraria, “seu” Alcides garante que só fecha negócio com quem tiver condições de tocá-lo. Seu amor pela venda de livros usados, iniciado em 1963 quando trabalhava junto com os revisteiros da Guilherme Rocha, tem razão de ser. Ele se diz capaz de comprar barato, vender barato e ainda ter lucro.
Apesar do ramo ser razoavelmente lucrativo, ainda mais agora que os pais dos alunos de 1º e 2º graus aprenderam a economizar comprando livros usados, nem sempre dá para viver só disso. Enquanto alguns sebos vendem livros novos, como a Antiquário, algumas livrarias vendem livros usados, como é o caso da Livraria Magalhães. Dono de aproximadamente 60 mil volumes, a loja de “seu” Ramiro Magalhães tem livros escolares e nas áreas de Direito, Medicina, Informática, Religião, Literatura, Filosofia, Psicologia, além de obras de referência como enciclopédias e dicionários. Lá também se encontra obras editadas pela Universidade Federal do Ceará, a maioria delas de cearenses. (Jornal O POVO).

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