sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O desafiador romance "Era meu esse rosto", de Márcia Tiburi

Kelsen Bravos

Com um discurso fácil, fluente, amparado em reflexões filosóficas sobre o cotidiano, que tanto encantam uma comunidade enorme de fãs leitores de seus programas de televisão, inclusive, Márcia Tiburi foi das mais excitantes presenças na X Bienal Internacional do Livro do Ceará.

Sobre o livro "Era meu esse rosto" preferiu não falar muito, pois a plateia se compunha de fervorosos fãs da filósofa e não da literata. Quando se referiu à literatura, destacou o cenário cruel do mercado que achata os direitos autorais. Finalista do Prêmio Jabuti em 2006, com o romance "Magnólia", Tiburi afirmou que um prêmio aqui outro ali ainda alenta o autor, mas é uma raridade. Nesse sentido, escrever não é, portanto, um bom negócio; sobretudo se for literatura, gênero que, segundo afirmou, não tem tanta importância assim para ela, que o fazia mesmo era como exercício de estética e sem maiores intenções de leitura, bem diferente dos livros de filosofia a que dedica especial apreço porque entende ser mais desafiador.


Márcia Tiburi expressa seu estar no mundo para os fãs.  (foto de Alex de Alencastro)
Modéstia dela, pois "Era meu esse rosto", seu novo romance, é bem desafiador. Traz uma proposta de renovação estética bastante consistente. O narrador-personagem (o livro é escrito em primeira pessoa), mesmo ao remontar o seu passado, desconhece até o porvir mais imediato. Essa perspectiva leva o leitor ao labirinto reflexivo do fluxo de memória por que passa o narrador e daí às descobertas sobre sua história e revelações de angústias reminiscentes. Tal movimento pode provocar um ir e vir reflexivo no leitor sobre os detalhes da própria existência. Afora essa ambiência subjetiva, os refentes físicos são o cemitério, a casa e a cidade V. Que a autora revelou ser uma referência à Vacaria, sua cidade natal, e à Verona, cidade de origem de seus ascendentes. Referi Veneza para Márcia Tiburi durante sua fala e ela disse que fora lá que finalizara a escrita do romance.

O V sem essas revelações, para o leitor mais afeito a efeitos de adornos estéticos, pode ser interpretado como um signo bastante expressivo. É o que faz Regina Zilberman na apresentação do livro, em que diz ver no V os sentidos do enredo da narrativa. O vértice do V e dois caminhos, o do passado e o do presente. Ou o contrário, dois caminhos que levam a um só ponto: o narrador. Ambas as perspectivas muito válidas. Vejo também o vértice como a origem da vida, e o enredo, um grande movimento à posição fetal. Nessa perspectiva as inúmeras expressões de origem italiana ao longo do texto sinalizam um caminho expressivo especial, que chega ao "acgua alta", um fluxo de maré que inunda Veneza, na Itália. No final do livro, esse fenômeno em V inunda, lava e renova o cemitério das memórias e revela outros caminhos quem sabe a serem tratados em novos livros.
Esses detalhes, entre tantos, conferem sim ao livro "Era meu esse rosto" indícios de renovação ao gênero. Márcia Tiburi inova com sua originalidade. A conversa na X Bienal Internacional do Livro do Ceará poderia ter adentrado essa vereda, mas o encanto que é Márcia Tiburi, filósofa loquaz (inova até nisso!), o frenesi deslumbrado de seu fãs e meu apreço ao talk-show cederam a vez dessa pauta ao papo fluente dela com o público. Foi muito bom, todos ganhamos com a generosidade e o afeto caloroso da autora ao responder às inteligentes perguntas da plateia.

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