quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Turismo sexual x Cluster de entretenimento

Os apelos do turismo sexual no Brasil encontram raízes históricas. A doentia civilização européia (que com o passar dos séculos só piorou), plena de taras sociais, inclusive o (falso) moralismo exacerbado, viu no “Novo Mundo” um “paraíso” para suas perversões (sociais, econômicas e carnais).

A tal civilização interpretou como uma afirmação libertina a frase portuguesa "não existe pecado do lado de baixo do Equador”, registrada a primeira vez por aqui pelo historiador da Companhia das Índias Ocidentais Gaspar Barleurs, autor de História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil.

Para mudar essa realidade precisa-se mais do que leis proibitivas. Fazer cumprir a lei e punir exemplarmente já seria um bom começo. Mas é pouco. Deve-se investir na geração de emprego e renda das pessoas locais. Proporcionar a oportunidade de elas serem gestoras do turismo, em vez de considerá-las entraves aos projetos da elite capitalista e de seus sócios internacionais, ou, pior ainda, em vez de utilizá-las como objetos de consumo, “vendendo-as” como parte do pacote turístico. Existem apelos inescrupulosos que envolvem até adolescentes e, pasmem, crianças.

Em outubro de 2005, o Rio de Janeiro foi palco do Fórum Mundial do Turismo, que discutiu, entre outros temas, a “Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. Dados da CPI da exploração sexual infantil, propalados na ocasião, já constatam esse fato em outras regiões brasileiras. O Nordeste, por exemplo, está sendo o destino mais freqüente do prostiturismo. Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco estão entre os principais roteiros. A apresentação desse diagnóstico só demonstra a vontade brasileira de combater quadro tão desolador.

Talvez por conta disso, o Brasil não esteja mais só nessa luta. Quase toda a América do Sul, (Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname). Ao todo doze países firmaram compromisso de parceria na luta contra esse crime. Investem na prevenção como arma de combate ao turismo sexual e contra a prostituição infantil.

A luta, entretanto, se anuncia árdua, pois enfrenta todo um conglomerado lastreado em negócio vendido como “paraíso dos prazeres proibidos ao sul da linha do equador”, que gera muita riqueza aos investidores e miséria social ao local explorado. As empresas já andam até se mimetizando em algo saudável autodenominando a associação de suas ações mercantis de cluster de entretenimento, que, se levado a sério, não deixa de ser um conceito interessante; mas o problema é que quem está no comando são sempre os mesmos.

Um cluster de entretenimento consiste na integração de vários segmentos de lazer e cultura, música, esporte, gastronomia, por exemplo, à área de turismo. Requer parceria entre o setor público e o privado. Ambos cumprem papéis que devem ser bem-definidos. Uma das exigências, porém, é contar com empresas de competitividade e padrão internacionais. Este fato exclui a maioria das empresas nacionais, pois competitividade num mundo globalizado significa padrões internacionais. Sem regras claras que garantam vantagens sociais aos nativos, os paraísos podem acabar como está hoje o Rio de Janeiro, numa Guerra Civil, ou como Paris que atualmente sofre uma revolta dos excluídos.

Nesse novo tipo de organização de mercado, o papel do Estado é: definir as regras econômicas que garantam a estabilidade necessária aos investidores, e fiscalizar as ações dos investimentos quanto às garantias sociais do projeto, à valorização do nativo. Sempre a primeira parte é atendida em detrimento da segunda.

O Ceará é um exemplo eloqüente disso. Há alguns anos o Estado vem preparando infra-estrutura necessária aos investidores. Construiu excelentes autovias de ponta a ponta de seu extenso litoral. Mas os projetos sociais associados a essas vias turísticas para os cearenses dessa imensa orla, entretanto, quase inexistem. Os nativos de fato estão sendo é tangidos pelos “resorts”, cujos donos sequer falam bem o português; mas dominam o francês, o inglês, o espanhol e, sobretudo, o italiano.

Mais do que de acesso a pontos turísticos essas estradas, deveriam ser vias de ascensão social para os nativos. Mas o que ocorre é a descaracterização da fonte de renda tradicional e geram o subemprego que lhes é oferecido. Em vez de trabalhadores (de serviços gerais à gerência) ou donos do negócio os nativos, os donos do lugar, são transformados em serviçais, seja na cozinha, nos jardim ou nos serviços gerais. Alega-se, e com certa razão, que a maioria não tem formação especializada sequer para ser trabalhador, daí, serviçais. E o estado não apresenta política de educação para este fim.

Daí a pergunta: que projetos sociais beneficiam os nativos? Sem isso acaba restando-lhes a opção pelo fim da dignidade, pois como diria Zé Dantas, cantado por Luiz Gonzaga, "dar esmola a um homem que é são/ ou lhe mata de vergonha/ ou vicia o cidadão". Sem perspectivas os donos da terra vão vendendo as terrinhas e sendo tangidos para o sertão. Em pouco tempo o dinheiro se esvai. Daí voltam, sem eira nem beira, para o local de origem.

A cultura consumista do Mercado tangirino encanta os jovens e as jovens, que sonham com o fantástico mundo do estrangeiro. As meninas sonham em casamento com os “príncipes ” visitantes. Nada contra esse encatamento teríamos, se a maioria dos que aqui viessem fossem pessoas decentes. Infelizmente, os que aqui chegam vêm atraídos pela indecente promessa do sexo fácil e da interpretação de que ao sul do equador não existe pecado. E essa interpretação é motivada pela “promessa” das bundas estampadas nos postais.

Quem de fato faz tal promessa?! A quem ela interessa? Bem que poderia ser essa a polêmica do tema, a ser estimulada pelas televisões e pelas rádios brasileiras, maiores veículos de comunicação no país. Mas seria perigoso tocar no assunto de forma tão séria, pois estaria mexendo com uma gama de interesses e negócios de “clusters de entretenimento”.

Ora, pois, o turismo sexual e a prostituição infantil são produtos de um perverso “cluster de entretenimento” que se alastra em todos os países da América do Sul. O pior é que em cidades como Fortaleza, por exemplo, além do sexo e “rock’-n’-roll”, cada vez mais apartamentos com vidros à prova de bala e portas blindadas estão sendo vendidos aos ragazzi, “tutti buona gente” do mundo inteiro. Para que tanta proteção, de que e quem eles se defendem? O que estão querendo esconder?

E enquanto isso, vemos – por enquanto só vemos – as meninas e os meninos pôr as mãos nos joelhos, dar uma agachadinha e balançarem as bundinhas. Chega disso. Uma política séria de segurança (e saúde) pública deve ser urgentemente imposta ao setor de turismo e seus atores. Só há uma arte que supera a de bem receber, a de ser bem-vindo. O desrespeito à primeira é problema nosso. E para quem desrespeitar a segunda, que lhe seja, no mínimo, mostrada a porta de saída como serventia da casa.

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