quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Intertexto 3

Cluster de entretenimento


Para pôr fim ao turismo sexual no Brasil, precisa-se mais do que leis proibitivas. Fazer cumprir a lei e punir exemplarmente já seria um bom começo. Mas é pouco. Deve-se investir na geração de emprego e renda das pessoas locais. Proporcionar a oportunidade de elas serem gestoras do turismo, em vez de considerá-las entraves aos milionários projetos internacionais, ou, pior ainda, em vez de utilizá-las como objetos de consumo, “vendendo-as” como parte do pacote turístico. Falamos assim, porque com freqüência flagram-se apelos inescrupulosos que envolvem até adolescentes e, pasmem, crianças.

A questão é que os apelos desse tipo de turismo encontram raízes históricas. A parte doentia da civilização européia (que com o passar dos séculos só aumentou), plena de taras sociais, inclusive o (falso) moralismo exacerbado, viu no “Novo Mundo” um “paraíso” para suas perversões (sociais, econômicas e carnais). A tal representação daquela civilização interpretou como uma afirmação libertina a frase "não existe pecado do lado de baixo do Equador”, registrada a primeira vez por aqui pelo historiador da Companhia das Índias Ocidentais Gaspar Barleurs, autor de História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil.

Luz no tunel
Em outubro de 2005, o Rio de Janeiro foi palco do Fórum Mundial do Turismo, que discutiu, entre outros temas, a “Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. Dados da CPI da exploração sexual infantil, propalados na ocasião, já constatam esse fato em outras regiões brasileiras. O Nordeste, por exemplo, está sendo o destino mais freqüente do prostiturismo. Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco estão entre os principais roteiros. A apresentação desse diagnóstico só demonstra a vontade brasileira de combater quadro tão desolador. Talvez por conta disso, o Brasil não esteja mais sozinho nessa luta. Quase toda a América do Sul, (Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname). Ao todo doze países firmaram compromisso de parceria na luta contra esse crime. Investem na prevenção como arma de combate ao turismo sexual e contra a prostituição infantil.

A luta, entretanto, se anuncia árdua, pois enfrenta todo um conglomerado lastreado em negócio vendido como “paraíso dos prazeres proibidos ao sul da linha do equador”, que gera muita riqueza aos investidores e miséria social ao local explorado. As empresas já andam até se mimetizando em algo saudável autodenominando a associação de suas ações mercantis de cluster de entretenimento, que, se levado a sério, não deixa de ser um conceito interessante; mas o problema é que quem está no comando são sempre os mesmos.

Cluster de entretenimento
Um cluster de entretenimento consiste na integração de vários segmentos de lazer e cultura, música, esporte, gastronomia, por exemplo, à área de turismo. Requer parceria entre o setor público e o privado. Ambos cumprem papéis que devem ser bem-definidos. Uma das exigências, porém, é contar com empresas de competitividade e padrão internacionais. Este fato exclui a maioria das empresas nacionais, pois competitividade num mundo globalizado significa padrões internacionais. Sem regras claras que garantam vantagens sociais aos nativos, os paraísos podem acabar como está hoje o Rio de Janeiro, numa Guerra Civil, ou como Paris que atualmente sofre uma revolta dos excluídos. Nesse novo tipo de organização de mercado, o papel do Estado é: definir as regras econômicas que garantam a estabilidade necessária aos investidores, e fiscalizar as ações dos investimentos quanto às garantias sociais do projeto, à valorização do nativo. Sempre a primeira parte é atendida em detrimento da segunda.

Ascensão e consolidação social nativa
O Ceará é um exemplo eloqüente disso. Há alguns anos o Estado vem preparando infra-estrutura necessária aos investidores. Construiu excelentes autovias de ponta a ponta de seu extenso litoral. Mas os projetos sociais associados a essas vias turísticas para os cearenses dessa imensa orla, entretanto, quase inexistem. Os nativos de fato estão sendo é tangidos pelos “resorts”, cujos donos sequer falam bem o português; mas dominam o francês, o inglês, o espanhol e o italiano. Mais do que de acesso a pontos turísticos essas estradas, deveriam ser vias de ascensão social para os nativos. Mas o que ocorre é a descaracterização da fonte de renda tradicional e geram o subemprego que lhes é oferecido. Em vez de trabalhadores (de serviços gerais à gerência) ou donos do negócio os nativos, os donos do lugar, são transformados em serviçais, seja na cozinha, nos jardim ou nos serviços gerais.

Educação
Alega-se, e com certa razão, que a maioria não tem formação especializada sequer para ser trabalhador, daí, serviçais. E o estado não apresenta política de educação para este fim. Daí a pergunta: que projetos sociais beneficiam os nativos? Sem isso acaba restando-lhes a opção pelo fim da dignidade, pois como diria Zé Dantas, cantado por Luiz Gonzaga, "dar esmola a um homem que é são/ ou lhe mata de vergonha/ ou vicia o cidadão".

Sem perspectivas os donos da terra vão vendendo as terrinhas e sendo tangidos para o sertão. Em pouco tempo o dinheiro se esvai. Daí voltam, sem eira nem beira, para o local de origem. A cultura consumista do Mercado tangirino encanta os jovens e as jovens, que sonham com o fantástico mundo do estrangeiro. As meninas sonham em casamento com os “príncipes ” visitantes. Nada contra esse encatamento teríamos, se a maioria dos que aqui viessem fossem pessoas decentes.

Infelizmente, os que aqui chegam vêm atraídos pela indecente promessa do sexo fácil e da interpretação de que ao sul do equador não existe pecado. E essa interpretação é motivada pela “promessa” das bundas brasileiras estampadas nas propagandas turísticas. Quem de fato faz tal promessa?! A quem ela interessa? Bem que poderia ser essa questão debatida pelas televisões. Mas, creio, seria perigoso tocar no assunto de forma tão séria, pois estaria mexendo com uma gama de interesses e negócios de milionários “clusters de entretenimento”.

Ora, pois, o turismo sexual e a prostituição infantil são produtos de um perverso “cluster de entretenimento” que se alastra em todos os países da América do Sul. O pior é que em cidades como Fortaleza, por exemplo, além do sexo e “rock’-n’-roll”, cada vez mais apartamentos com vidros à prova de bala e portas blindadas estão sendo vendidos aos ragazzi de todas as nações(sobretudo portugueses, espanhóis, italianos), “tutti buona gente” do mundo inteiro. Para que tanta proteção blindada, de que e de quem eles se defendem? O que estão querendo esconder?

Enquanto isso, vemos – por enquanto só vemos – as meninas e os meninos pôr as mãos nos joelhos, dar uma agachadinha e balançarem as bundinhas. Chega disso! Uma política séria de segurança (e saúde) pública deve ser urgentemente imposta ao setor de turismo e seus atores.

Só há uma arte que supera a de bem receber, a de ser bem-vindo. O desrespeito à primeira é problema nosso. E para quem desrespeitar a segunda, que lhe seja dada severa e exemplar punição, e que seja divulgada em todo mundo, para que saibam que no Brasil não toleramos desrespeito à nossa família, à nossa sociedade.

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