quinta-feira, 7 de junho de 2007

Profissão professor

Na mitologia grega um titã roubou o fogo dos deuses para disseminá-lo entre os mortais. Por essa solidária ousadia o titã Prometeu foi condenado a castigo eterno: ficar no monte Cáucaso, acorrentado, tendo abutres a lhe devorar o fígado. Sinto que todos os professores e professoras de fato têm o mesmo afã de Prometeu: Luz para todos! Talvez por isso, até hoje, os professores convivam com tantos abutres a lhes devorar o fígado.

Meu bisavô materno criou uma escola em sua pequena cidade e alfabetizou seus filhos, os filhos alheios e os alheios também. Meu avô, tal qual o seu pai, alfabetizou muita gente. Ambos não eram catedráticos; mas sabiam. E o saber naquela
época valia muito, sobretudo, quando era acompanhado do ato de ler. Mas eles não queriam só para si esse privilégio e socializaram o conhecimento.

Do tempo dos meus e dos vossos avós para cá, a educação mudou muito. O professor, então, esse sim virou outro. Deixou de ser mito. Graças a Deus, e devido a homens de boa vontade, ele deixou de ser uma figura quase
divina, como queriam parecer os escolásticos. Por isso, antes de qualquer outra profissão, sou professor.

Além de mim, tenho tias, primas e primos, todos professores. Quando a família toda se reúne, é um festival de profissões. Há jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, estatísticos, contabilistas, arquitetos, economistas; mas a supremacia é de professores.


Não é só pelo tempo em que estou nessa lida, portanto, que sei do que falo quando falo da profissão de professor. Por isso chego a me irritar quando pessoas – cuja formação passa bem longe do magistério e cuja educação parece esquecida no berço – vêm fazer críticas a educadores, a professores. Ainda mais porque baseiam suas críticas, predominantemente, em índices de rendimento impostos em avaliações massificantes.


Ora bolas! A profissão de professor não é fácil, pressupõe um tempo a que nenhuma outra iguala. Não é só durante a aula, nem mesmo ao tempo em que está na escola que se resume sua tarefa. Ele planeja suas aulas e isso não é tão simples, porque por mais que os demais e necessários profissionais envolvidos – supervisores e coordenadores – e diretores digam qual a orientação “pedagógica” da escola, por mais que esta atenda às diretrizes político-pedagógicas recomendadas pelos parâmetros nacionais, é na relação professor e aluno; é na sua relação com a sala de aula que o professor deve basear seu planejamento, discuti-lo com o aluno e construírem o melhor a fazer.

Daí a complexidade, pois cada aluno corresponde de modo diferente às atividades escolares. Cada um tem seu tempo e apresenta dificuldades distintas. Perceber a delicadeza dessas situações individuais, e planejar e orientar ações para melhor atendê-las é o papel do professor em relação a cada aluno.
É dessa particularidade da profissão, no mínimo, que se deve começar um diálogo sobre educação. E não a partir das estatísticas que medem o rendimento escolar dos alunos em uma avaliação em massa, como é a imposta, por exemplo, pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e muito menos, nesta perspectiva, de seus “clones” nas esferas estaduais e municipais.

Não quero aqui tirar a importância desse tipo de avaliação imposto pelo SAEB, busco tão-somente esclarecer que considerá-lo apenas, e principalmente, como forma de avaliar não só o aluno, mas também o sistema educacional é mascarar a realidade, é esconder a dificuldade que o professor enfrenta no seu trabalho.
Trabalho este que não seria tão mais difícil assim, caso cada professor ficasse exclusivamente com uma turma de vinte alunos. E que fosse remunerado tão bem quanto deputado ou senador, governador ou vice-governador.

Acontece que o mestre, para ter uma situação econômica razoável, tem de trabalhar pela manhã, pela tarde e pela noite, em várias escolas com turmas de, no mínimo, cinqüenta alunos.
Muitas vezes, por turno, o professor chega a ter até cinco turmas, ou seja, por dia ele trabalha com 750 alunos. Ao final da semana pode ter trabalhado com 3.750 alunos, caso tenha apenas uma aula por semana em cada turma. Via de regra essas turmas são em escolas distintas.

Lidando com essa realidade, é impossível, o professor ter uma leitura sensível do aprendizado de seus alunos.
Não conheço escola que trabalhe com número máximo de vinte alunos por sala e sequer há professor com salário digno, que lhe dê a tranqüilidade e a condição para investir continuamente na própria formação – tão fundamental para a profissão. Mas todo professor do ensino fundamental ou médio que conheço está sempre em dificuldade financeira, com a garganta em frangalhos e, todo fim de semana, azafamado, lotado de tarefas escolares para corrigir, provas para elaborar e fazendo de tudo para mais um pouco saberem de seus alunos.

Não fosse a dedicação dos professores e professoras desse país não sei o que seria da escola. As escolas públicas que deveriam ser o parâmetro a ser seguido pelas particulares são as mais vilipendiadas. Os professores do Estado do Ceará, por exemplo, recebem por cem horas semanais cerca de quinhentos reais e trabalham em média com quatrocentos alunos.


E me vêm gestores travestidos de abutres com base em índices de desempenho de avaliação dos alunos quererem devorar o fígado dos profissionais da educação, acusando-os de falta de maior zelo e competência.

Por que, em vez de culpar os professores, os gestores não promovem concurso público, convocam e admitem logo todos profissionais aprovados. (A rede estadual de ensino no Ceará, por exemplo, está abarrotada de professores substitutos, muitos dos quais excelentes profissionais, mas numa situação instável e com trabalho fadado à descontinuidade). Por que não aumentam o salário dos professores, em vez de fazerem festim monetário com as convocações extraodinárias dos legislativos municipais, estaduais e federais? Por que não repassam as verbas devidas à educação?

Dizem ser simplistas essas questões; mas não as respondem e nem propõem outras. Estou cada vez mais crendo que a incompreensão dessa realidade só pode ser índice de um gravíssimo e súbito caso de idiotia que, por conveniência, acomete os gestores públicos quando o assunto é educação.

Kelsen Bravos

14 comentários:

  1. Sua crônica é excelente, pois relata com precisão a agonia da profissão do professor e o descaso com a educação em nosso país.

    Tiro o chapéu para você.

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  2. Faço minhas as suas palavras... E digo mais: ser professor é um verdadeiro trabalho de Hércules!! Não há como negar!!

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  3. Kelsen, já leu os capítulos iniciais do mameluco???

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  4. Valeu, Sanduba!!!


    Os capítulos iniciais de O Mameluco, não os li, Vessillo. Como poderia?! Lembra-te, amigo, de que tu ainda não mos deste.

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  5. Kelsen,

    Essa crônica retrata realmente o que estamos passando.
    Informo que estarei utilizando sua crônica na minha próxima reunião pedagógica.rsrsrsr POSSO, NÉ??!!!
    Afinal não sou uma das coordenadoras que devora o fígado. rsrsrs
    Parabéns!!
    Belas palavras!
    Obrigada!

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  6. Claro que pode usar sim. Nem preciso atentar para o fato de registrar o crédito e o endereço do blog. Afinal ele foi criado para esse fim mesmo. Como vão as coisas por aí em Araxá?

    Um beijo grande,

    Muito obrigado pela honra de citar o texto para nossos pares de profissão.

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  7. Escreva menos e deixe de ser tão chato.

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  8. Olá, grande mestre!
    Vasculhando a Interner, encontrei você e me sinto orgulhosa de ter trabalhado contigo.
    Beijo,

    Glorinha

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  9. Que bom ter você, Glorinha, entre os colegas de trabalho. Respeito muito você, por sua sensibilidade e dedicação.

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  10. Sr. Sá,

    O substantivo adjetivado do teu codinome nos explica por que tu me achas chato.

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  11. Rafaela de 9 anos de idade disse...

    Gostei do texto,mas não parece ter muita fama,mas vou contar isso para os outros para ficar famoso.

    22 DE SETEMBRO DE 2009-08:50

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  12. Rafaela disse...

    Texto muito bem elaborado e olha que só tenho 9 anos de idade,beijos

    22 DE SETEMBRO DE 2009 08:54

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  13. Eu, como você tenho muitos professores na família. Minhas trÊs irmãs são professoras. Conheço a realidade destes profissionais e concordo com o que disseste. Foste preciso e muito feliz em suas colocações.
    Enquanto o Brasil - Uniãos, estados e municípios - não investirem em educação, principalmente no material humano (professores) seremos sempre um país por vir.

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  14. Kelsen, já leu o mameluco ???

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